Anonimato

Fascina-me a ideia da solidão. Sensação de liberdade e soltura, sem amarras. Na distância, o único laço que permanece é com Deus, porque Ele em mim habita. Quando só estou, nada pode afetar o silêncio que existe em mim.
Observo o movimento das pessoas, a rua de pedras, estreita, roseiras pendendo a formar um arco-íris de flores, coisa de cidade pequena, escondida e encantada. E eu no anonimato: aqui ninguém sabe de mim, de onde venho, o que carrego. Sou mais uma. Não sou mãe, não sou filha, não sou viúva e nem amiga. Compromisso com ninguém. E assim, sem lenço e sem documento, penso sobre a importância dos acontecimentos em nossa vida.
Qual peso damos a eles quando nos distanciamos de tudo? A mim parece-me que tudo fica mais longe e leve. Será que enfim consegui fugir? De repente me invade a vontade de por aqui ficar. E recomeçar.
Sim, eu sei que podemos recomeçar em qualquer lugar, mas os novos parecem ter cheiro de reinício, estão sempre sugerindo novas descobertas. A diferença no ambiente, concreta do lado de fora, dispensa licença para entrar e logo convida à mudança.
Recomeçar onde a dor nos encontrou parece não ter a mesma graça. No lugar de sempre, a mudança tem que vir de dentro, alterando nosso olhar e sentir para o que não é novidade.
Por isso tantos viajam após um trauma ou uma grande desilusão: faz todo sentido passar um tempo fora, novos horizontes nos inspiram, animam e mudam a perspectiva. Paisagens que os olhos não estão habituados a contemplar, odores que despertam os sentidos, sabores que ensinam a riqueza do paladar. A festa, portanto, acontece por todos os poros, de todos os ângulos, sob as formas mais variadas.
O mundo amplia-se adquirindo nova forma, tomamos consciência da pequenez de todos nós e a partir daí nos reinventamos para seguir, saímos do casulo deixando para trás a vida de lagarta, para viver agora de outra forma, como borboleta. Um brinde à solidão. Um brinde aos novos lugares. Um brinde aos recomeços.
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